Lynyrd Skynyrd: a eterna lenda do Sul
Em homenagem aos 40 anos do fim do clássico Lynyrd Skynyrd, escrevo esse apaixonado artigo sobre essa banda que foi uma das mais influentes da histĂłria do Southern Rock. Pergunta: Ă© possĂvel falar de rock sulista ou mesmo da mĂşsica americana sem mencionar essa galera? Para fanáticos do gĂŞnero - como eu - seria inconcebĂvel. EntĂŁo aqui está: algo mais que uma mera menção, um resumo da prĂłpria histĂłria fantástica que sĂł esses caras tĂŞm!
A lenda - na Ă©poca formada por Ronnie Van Zant nos vocais, Rossington e Collins nas guitarras, Wilkeson no baixo, Powell no piano e Burns na bateria - adentrou o perĂodo de fama por volta de 1973, notoriamente graças ao lançamento de seu primeiro álbum de estĂşdio, "Pronounced 'LÄ•h-'nĂ©rd 'Skin-nĂ©rd". O material foi gravado pela MCA, com uma impagável ajuda de Al Kooper (produzindo, organizando e atĂ© tocando com eles).
Tudo nesse álbum Ă© icĂ´nico: o tĂtulo, ensinando a pronunciar o nome bizarro; a fotografia da capa, que depois de tantos anos envolve o grupo em uma atmosfera mĂtica, com os integrantes em uma cidade tĂpica do interior da GeĂłrgia, construções de tijolos queimados, dois carros rodando em uma rua larga e vazia, e - para quem ainda nĂŁo havia notado - o raio que desce da nuvem atĂ© o topo da cabeça de Ed King; e, claro, o conteĂşdo do álbum, 8 faixas originais, 100% autorais, e trĂŞs sucessos inebriantes - "Tuesday's Gone", "Simple Man" e "Free Bird". DaĂ, logo de cara, saĂram dois hinos para os fĂŁs - estes dois Ăşltimos.
Uma curiosidade dessa época é que Leon Wilkeson havia participado apenas de duas canções do trabalho e estava deixando a banda. King (lembrado hoje como guitarrista do Skynyrd) então assume o contrabaixo nas demais faixas, mas Leon muda de ideia de última hora, a tempo de aparecer na foto da capa. Assim, Wilkeson retoma o seu posto e King adota o papel de terceiro guitarrista. Dessa formação incomum surge o célebre ataque de três guitarras solo do Lynyrd Skynyrd.
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Com todo esse "poder de fogo" a banda foi imediatamente arremessada para o mapa do rock and roll, e em seguida convidada a participar da turnĂŞ Quadrophenia, do The Who.
Durante essa fase de agitação e criatividade, lançaram o genial "Second Helping", segundo disco. "Sweet Home Alabama" contrariou os produtores e a MCA, que a achavam "muito regional", e estourou no top 100 da Billboard. Tão logo surgiu, a música, com sua letra polêmica e as muitas referências cravadas, tornou-se sua composição mais famosa, o terceiro hino dos Skynyrd's fans, e a identificação definitiva da banda de Jacksonville com a identidade sulista. Afora o single, "Second Helping" trouxe um pacote de outras excelentes músicas, incluindo um cover de J. J. Cale, "Call Me The Breeze".
Nesses tempos, a MCA decidiu anexar a imagem da bandeira confederada ao grupo, a qual assinou em baixo da reputação rebelde deles. O Lynyrd Skynyrd foi visto (pelos mal informados) como um bando de branquelos reacionários, saudosistas da escravatura; mas na verdade, eram caras do interior, que amavam demais a sua terra, que sabiam o que era trabalhar duro na vida e que sabiam - com certeza - respeitar e admirar os negros. Bom exemplo disso é a canção "The Ballad Of Curtis Loew", homenagem de Van Zant à um negro idoso de sua vizinhança, que tocava dobro na sua época de infância. Na letra, o garoto sempre ia assistir o velho Curtis tocar, mesmo levando uma surra da mãe. Veja que a canção é justamente de "Second Helping", mesmo álbum da polêmica "Sweet Home Alabama", e da exata época em que o Lynyrd Skynyrd transformou a bandeira confederada em seu épico e controverso backdrop.
A turnĂŞ seguinte desgastou muito os rapazes do Skynyrd, fazendo com que Burns fosse permanentemente substituĂdo por Artimus Pyle e culminando na produção de um álbum "abaixo da mĂ©dia" - segundo a opiniĂŁo de Ronnie - em 1975, pelo que foi chamado "Nuthin' Fancy" (Nada De Mais). Em sua capa Ă© possĂvel ver, Ă direita, o novo integrante - Artimus - vestindo uma bandana vermelha na cabeça, como que dizendo: "ei, eu estou entrando agora". Ainda sim, o disco foi um Ăłtimo trabalho, certificado ouro inclusive. AtĂ© "abaixo da mĂ©dia" esses caras eram incrĂveis.
No entanto, os desgastes da fase nĂŁo haviam acabado. Houveram brigas, cancelamentos de shows, performances destruĂdas, confusĂŁo fora do palco e, por fim, a saĂda de Ed King (por questões pessoais). Para piorar, esse Ăşltimo acontecimento fez com que Collins e Rossington tivessem que se virar para dividir as partes tocadas pelo ex-membro atĂ© o fim desse perĂodo turbulento.
Provavelmente por causa de toda essa reviravolta, tambĂ©m por causa da mudança de produtor musical, o quarto álbum de estĂşdio do Lynyrd Skynyrd divergiu tanto dos demais. "Gimme Back My Bullets" nĂŁo deixa de ser apreciável, mas Ă© marcado por uma certa mudança de sonoridade; as linhas do Blues Rock e Country Rock tornaram-se mais acentuadas neste material, e a Ăşnica canção que mais destoa dele nesse sentido (mas ainda sim nĂŁo foge dessa realidade) Ă© a poderosa faixa-tĂtulo.
NĂŁo muito adiante, a sonoridade da banda continuaria mudando... Receberam um trio de vozes femininas para backing vocals, apelidadas de The Honkettes, as quais já estrelam em "One More From The Road" (álbum ao vivo de 1976). Eram elas: Jo Jo Billingsley, Leslie Hawkins e Cassie Gaines. Por fim, em julho de 1976, apenas a tempo de gravar "One More From The Road", Steve Gaines (o hábil guitarrista do cavanhaque comprido) ingressaria no Skynyrd por sugestĂŁo de sua irmĂŁ Cassie, preenchendo um grande buraco aberto desde a saĂda de King.
O "sangue novo" e enérgico de Steve seria a última grande mudança na "levada" do Lynyrd Skynyrd, que se tornaria um tanto menos áspero, ao mesmo tempo que continuaria com o mojo em alta.
Um exemplo bem interessante dessa época de assimilação é o bootleg "Teaching An Oakie To Fly". Basicamente composto de partes "picadas" de alguns hits do Skynyrd (solos, introduções, riffs...), é uma gravação amadora feita às pressas na sala de estar de Wilkeson para ensinar Steve (cujo apelido era "Okie") um pouco da pegada da banda.
Logo, iniciou-se um novo momento alto do Skynyrd. Alguns até dizem que esse foi o real auge deles. Em 1977, a banda lançou "Street Survivors", quinto álbum de estúdio, sucesso instantâneo, e trocou seu ônibus por um avião, um Convair CV-240. No entanto, a vida às vezes pode ser cruel, e no caso do Lynyrd Skynyrd, o golpe foi fatal e inesperado...
Apenas trĂŞs dias depois do lançamento, em 20 de outubro, o aviĂŁo voando de Greenville (SC) para Baton Rouge (LA), ficou sem combustĂvel acima dos pântanos do sudoeste do Mississippi. Os pilotos atĂ© tentaram um pouso de emergĂŞncia, entretanto o Convair começou a colidir com as árvores mais altas antes de alcançar área descampada e se espatifou no terreno lĂşgubre, partindo-se em dois. A tragĂ©dia matou 6 pessoas, dentre os quais 3 membros da banda: Cassie, Steve e Ronnie - que morreu instantaneamente. Os demais integrantes ficaram com sĂ©rios ferimentos, mas mesmo assim, Artimus e mais dois sobreviventes se "rastejaram" atĂ© uma fazenda para pedir socorro. Jo Jo Billingsley, que nĂŁo estava junto do grupo, relatou ter sonhado com o desastre, pelo que evitou viajar com o aviĂŁo e tentou alertar outros membros. Depois do ocorrido, tornou-se uma cristĂŁ fervorosa e devota. Quanto Ă Cassie, nĂŁo deveria estar no aviĂŁo; foi convencida por Van Zant, que tambĂ©m tinha medo de voar...
E assim o Skynyrd escrevia o Ăşltimo capĂtulo de sua histĂłria, um final "profetizado" por eles prĂłprios - caso vocĂŞ acredite - em algumas das canções. Delas, a mais lembrada Ă© "All I Can Do Is Write About It", em que parte do refrĂŁo diz: "'cause I can see the concrete slowly creepin' / Lord take me and mine before that comes." Aliás, outro ponto meio sinistro nisso tudo Ă© que o aviĂŁo que pĂ´s fim Ă banda tinha sido apelidado de "Free Bird"; e na mĂşsica homĂ´nima, o Ăşltimo verso diz " won't you fly high, free bird, yeah". Isso afora as outras possĂveis conexões com o acidente contidas na mesma letra, e as várias vezes em que Ronnie estranhamente falou sobre a morte.
Após a tragédia, a despeito das formações póstumas, reuniões especiais e o Lynyrd Skynyrd reformado em 1987, nunca houve banda sequer próxima do que o velho Lynyrd Skynyrd foi nos anos 70. Isso pois o grupo perdera a pessoa que era não só o seu o frontman, mas a alma dele próprio. Sem a liderança da figura carismática de Ronnie, todos aqueles músicos (por mais talentosos que fossem) ficaram desestruturados, e com uma pancada de outras tragédias ocorridas através dos anos, nada mais rolou. Também, com o falecimento de Steve Gaines no acidente, morreu junto dele qualquer chance de levar o grupo adiante, sob nova direção.
Para nĂłs resta um pouco de curiosidade... continuariam eles com o novo estilo pĂłs-Gaines? Eram jovens, quantos anos de glĂłria ainda teriam pela frente? O que seriam capazes de criar? Infelizmente isso nunca saberemos.
Mas o legado permaneceu. Lynyrd Skynyrd, antes mesmo de ser Lynyrd Skynyrd, tocando em um barracĂŁo de madeira e zinco, deu o suor pelo amor Ă mĂşsica; chamando-se My Backyard, The One Percent e sob outros diversos nomes, aprimoraram-se com o tempo, criaram um som caracterĂstico, um estilo; tocaram nos lugares mais barra pesada que existiam, resistiram ao tempo; transmitiram sua mensagem com vigor e assumiram posição de destaque no front do rock sulista; viraram uma famĂlia, tornaram-se uma banda memorável, e fizeram muitos palcos ferverem ao longo da carreira. E por Ăşltimo, deram o sangue e atĂ© a prĂłpria vida pela mĂşsica, em um episĂłdio que os elevaria a, digamos, verdadeiros mártires do Southern Rock. O que mais posso dizer? Se eu fosse Leonard Skinner, bem, seria um dos homens mais orgulhosos nessa terra.
![]() | Stuart Townsend é descendente de americanos, modelo 99, morando nas serras do Sul de MG. Apaixonado pela boa southern music no geral (e isso exclui qualquer lixo pop, claro). Fã em especial do velho Skynyrd e de Blackberry Smoke, além de devoto do Country desde a infância. |