O Blues de Frejat e Cazuza
O calor do Blues na música, sugere redundância quando o assunto é influência. Duanne, Richards, Page, Hendrix, Clapton e Beck, por hora, são os grandes tradutores dessa linguagem para a música Pop, e mesmo não sendo nativos do Blues, fizeram seus pupilos: Vaughan, Bonamassa, John Mayer e Derek Trucks são só alguns entusiastas do Velho estilo. Cabe destacar que o Blues é negro - afro-americano - os versos repetitivos e arranjados pelo grunhido dos trens, cantavam a dor. Nossos heróis brancos, foram não tão somente, talentosos catalisadores de um estilo oprimido pelo preconceito que segregava a música. Impossível não citar os King's, Albert Collins, Buddy Guy e a lenda da encruzilhada Robert Johnson como grande influência!
E o Brasil, respirou o Blues com tamanha intensidade? Sim. Não tão antropofágicos como os americanos e ingleses, mas os registros são inúmeros: (a lista é pomposa e já foi proposta aqui) Mutantes, Erasmo, Caetano, Tim Maia, Luiz Melodia e Hebert Vianna, por exemplo, sempre flertaram com o Blues em suas composições e interpretações, mas o Barões do Leblon, comandados por Cazuza e Frejat trouxeram os shuffles e suingues com bastante propriedade para seus legados, dando sotaque brasileiro ao Blues.
O debut do Barão Vermelho, mostra a dupla afiada - "Bilhetinho Azul" é um recado "Delta Blues" malandro que fecha o disco, sem contar com o Blues Rock "Ponto Fraco" e a visceral e dolorida "Down em Mim".
"Barão Vermelho 2", repete o clima em algumas faixas - "Largado no Mundo" canta a "dor" apenas ao som do violão, "Carne de Pescoço" é Stones puro e "Blues do Iniciante" assusta pela eloquência da banda na interpretação.
"Maior Abandonado" foi o disco da ruptura com o anonimato, mas não com as influências. Ouvintes mais engajados ouvem Blues em todos os acordes de Roberto Frejat, todavia "Não Amo Ninguém" tem letra, música e o drama do estilo.
A partir de então, a parceria fica mais esporádica devido à saída de Cazuza do Barão Vermelho e a toada de Frejat dando ritmo novo ao grupo.
1984 termina com o Barão Vermelho dividido entre o sucesso do Rock in Rio I e as crises internas que permeavam a banda. Cazuza, determinado em seguir seu mega estrelato; Frejat tentando preservar o som fluido e enraizado que destacara os grandes hits da banda. A ruptura foi inevitável.
Jagger & Richards do nosso país, não estariam mais juntos no palco até o fim da década, composições são divididas, e apenas a batuta de Guto Graça Melo (diretor artístico) e Ezequiel Neves (produtor musical) seria naquele momento o elo para os egos inflados de Cazuza e Frejat.
"Declare Guerra" (1986) foi a estreia de um Barão com uma nova voz, é cheio de parcerias, é Blues em sua faceta. "Não Quero seu Perdão" é receita anos 60 - dance a vontade - "Que o Deus Venha" é remanescente da parceria e criada em cima do poema homônimo de Clarice Lispector. "Boomerangue Blues" (presente do Renato Russo) ganhou arranjo cheio de slides e molho sabor Mississipi somente ao som do violão.
O debut de Cazuza, por sua vez, "Exagerado", foi um sucesso, músicos incríveis e compositores engajados rabiscaram suas marcas. "Mal Nenhum", (Cazuza/Lobão) é Blues moderno, com guitarras bem arranjadas. "Só as Mães são Felizes" (Cazuza/Frejat) carrega um lado Doors, que mais tarde seria substituído por levadas Jazzy de extremo bom gosto.
Os lançamentos subsequentes da dupla, no quesito comercial, traçaram caminhos distintos. "Rock'N'Geral"fracassou em vendas e se destacou em qualidade. Já Cazuza, com "Só se For a Dois" validou sua figura, cheia de talento e empatia, perante mídia e público.
O quarteto do Rio, esbanja influências blueseiras em "Agora Tudo Acabou", com excelente solo de Roberto Frejat, e mostra extrema delicadeza de arranjos bluesy em "Quem me Olha Só" escrita com Arnaldo Antunes, um deleite de elegância poética.
"A Vespa Solitária" era uma poção de influências em suas canções, e seus álbuns refletiam toda sua energia. O já bem citado "Só se For a Dois" trouxe tudo que um fã de Cazuza gostaria de ouvir, inclusive Blues. A reestabelecida parceria com Frejat exprimiu "Culpa de Estimação"; com Zé Luís, (saxofonista) a passional, áspera e sincera "Quarta-Feira" e fechando o disco com exuberância "Balada do Esplanada", chorada na companhia de um violão, é um poema de Oswald de Andrade, com toda a força do Blues nas entre-linhas.
Apreciem a obra dessas grandes figuras e referências, e estendam as fronteiras do Blues em vários sotaques.
O fim dos anos 80 se aproxima e a produção musical da dupla segue em grande escala, a assinatura "Cazuza/Frejat" já era imortal naquele momento, e ambos seguiam flertando com grandes nomes do Rock/MPB nacional.
O ano de 1988 registra dois álbuns excelentes desses artistas e suas bandas. "Carnaval" é aula de Hard/Rock rifador com o suor, arrogância e caretas que merece o estilo. "Ideologia", um dos mais vendáveis discos de Cazuza, merece dois destaques, "Vida Fácil", bluesy balança quadris com uma letra formidável, e "Blues da Piedade", um dos maiores sucessos de sua carreira. Em andamento atípico do blues tradicional, a trinca, música/letra/solo, traduz o necessário para compreensão desse clássico.
A sequência de trabalhos do Barão continua calcada no Hard/Rock direto com "Calada da Noite" e "Barão ao Vivo", e repousando em belas versões, lançam "Acústico MTV". "Supermercados da Vida", todavia, retoma um Barão cheio de blues em suas composições, "Azul Azulão" inicia com groove shuffle e guitarra que arde em devoção aos mestres, "Fogo de Palha", acompanhada do Dobro/Ressonator reclama do amor - Nada é mais blues que isso - "Comendo Vidro" com letra Nonsense tem arranjo sofisticado no melhor Jazzy proposto pela banda!
Cazuza, vivendo sob custódia do HIV, compõe, grava e produz ciclicamente, seu registro ao vivo, "O Tempo não Para" é sucesso. "Burguesia" é um enxovalho de ótimas canções, seus companheiros de produção e arranjos, afiados, destilam Blues em prol do disco. "Nabucodonossor" tem solinho Chukck Berry na introdução e "Garota de Bauru" tem pitadas blues com Walking bass de bom gosto.
"Cartão Postal" é uma das regravações do Disco, slow blues original de Rita Lee/Paulo Coelho tem clima típico, com guitarra respondendo às intervenções da voz, já fraca, porém rasgada e emocionante de Cazuza!
"Por aí" de 1991, póstumo, uma espécie de lado E/F de "Burguesia" tem excelentes destaques. "Hei Rei"(Cazuza/Frejat) tem clima Country/Blues com guitarras que emulam com beleza um lap steel. "Cavalos Calados" original de Raul Seixas, tem clima mórbido de despedida e quando emendada com "Summertime"(marcada na voz de Janis), elevam a influência bluseira do artista.
Frejat continua trabalhando e em 1994 lança "Carne Crua" com os Barões. "Guarde essa canção" é doce, "Seremos Macacos outra vez" é Rock and Roll puro e o "Inferno é aqui" tem riff Jimmy Page com texturas de teclados Booggie Woogie em alguns momentos, e duelo guitarra/teclados. É blues na alma.
Os subsequentes lançamentos, tanto para a obra do Barão Vermelho, quanto para os álbuns solo de Roberto Frejat, caracterizam artistas alinhados com o Pop, e remetendo, em alguns casos, a um Frejat que busca uma carreira que venha amadurecer ao melhor estilo Roberto Carlos romântico.
Desse novo traje musical, vale destacar "Trapaça da dor" do bem quisto "Sobre nós 2 e o resto do mundo", a faixa tem sotaque Latin Blues com Carlos Santana tocando o coração de Frejat nos solos e acordes. Linda canção.
A referência desses grandes artistas para a música nunca foi novidade, a coletânea proposta nessa coluna, procurou traduzir uma linguagem diferente do grande Xeque músico/cultural de Frejat/Cazuza/Barão Vermelho e todos os artistas/parceiros que emolduraram suas marcas anacrônicas na MPB.
![]() | Conrado Graff é guitarrista e vocalista na banda paraense Soul Blues. Ouvinte voraz de Jazz, Southern, Rock e Blues. Pesquisador informal dos estilos e artistas que moldaram música e a literatura! Professor e coordenador pedagógico secundarista nas horas vagas! |